Recentemente, li um artigo de Stephen Castle, jornalista e correspondente internacional do The New York Times, sobre o Serviço Nacional de Saúde da Inglaterra (National Health Service – NHS). Segundo um relatório divulgado em setembro, o NHS está em estado “crítico”. O documento, encomendado pelo governo britânico, destaca longas esperas por tratamento, infraestrutura hospitalar deteriorada e falta de equipamentos médicos modernos, como scanners de ressonância magnética.
Castle aponta que a falta de investimento em todas as áreas do NHS levou à situação atual, onde quem paga o alto preço é a população inglesa. O relatório, elaborado por Ara Darzi, cirurgião e membro da Câmara dos Lordes, revela que o NHS sofreu com anos de subinvestimento e intervenções administrativas, agravados pelos efeitos da pandemia de Covid-19.
Castle lembra que “o N.H.S. foi criado após a Segunda Guerra Mundial por um governo trabalhista que visava tornar os cuidados de saúde disponíveis para todos, independentemente de renda ou riqueza. Tornou-se tão popular que Nigel Lawson, ex-chanceler do Tesouro, descreveu-o como “a coisa mais próxima que os ingleses têm de uma religião”.
Diante do caos, o novo primeiro-ministro da Inglaterra, Keir Starmer, anunciou um plano de 10 anos para revitalizar o NHS. Ele descreveu o plano como a maior repaginação do sistema desde sua criação em 1948, com foco na digitalização, transferência de cuidados para ambientes comunitários e investimento em saúde preventiva.
Ao ler o artigo, percebi semelhanças com a situação do SUS desde sua criação em 1988, com a promulgação da Constituição Federal do Brasil. O SUS foi estabelecido como parte da reforma sanitária que visava garantir o direito à saúde como um direito universal de todos os cidadãos brasileiros. Sua implementação começou efetivamente com a Lei Orgânica da Saúde, sancionada em 1990, que detalhou a estrutura e o funcionamento do sistema.
Reconhecido como uma das maiores redes de saúde pública do mundo, o SUS vem sofrendo nos últimos anos com a redução de recursos e falta de investimentos, além de uma gestão ineficiente nos municípios onde o sistema é aplicado. O SUS atende mais de 200 milhões de brasileiros, oferecendo desde atendimentos básicos até procedimentos de alta complexidade.
A cobertura universal é um dos grandes destaques do sistema e inclui até mesmo quem utiliza a saúde privada, planos de saúde e clínicas populares. Muitos tratamentos, medicamentos e vacinas só são encontrados no SUS, que, por definição, atende universalmente. É importante destacar que quem é socorrido pelo sistema 192 ou por ambulâncias do serviço público de saúde é atendido pelo SUS e, na maioria das vezes, levado para hospitais públicos onde recebe os primeiros atendimentos.
Infelizmente, a redução de recursos para o SUS e gestões municipais ineficientes, aliados a outros problemas, como a corrupção, vêm causando danos graves. Alguns dos problemas do SUS incluem: a Emenda Constitucional 95, que limita os gastos públicos e restringe o orçamento para a saúde, impactando diretamente a capacidade do SUS de atender à demanda crescente por serviços de saúde;
Existe uma grande disparidade na qualidade e disponibilidade dos serviços de saúde entre diferentes regiões do Brasil. Regiões mais desenvolvidas, como o Sudeste, tendem a ter melhores recursos e infraestrutura em comparação com regiões menos desenvolvidas, como o Norte e o Nordeste;
Muitas unidades de saúde enfrentam problemas de infraestrutura, como instalações inadequadas, falta de manutenção e equipamentos obsoletos, comprometendo a qualidade do atendimento; Há uma carência significativa de profissionais de saúde em várias áreas, especialmente em regiões remotas e desfavorecidas. Isso resulta em longos tempos de espera e sobrecarga dos profissionais existentes;
Problemas de gestão e burocracia são comuns no SUS, afetando a alocação de recursos e a eficiência dos serviços. A falta de integração entre diferentes níveis de atenção à saúde também é um desafio constante; Longos tempos de espera para consultas, exames e procedimentos são uma reclamação comum entre os usuários do SUS, devido à alta demanda e falta de recursos adequados;
A falta de medicamentos e insumos básicos em muitas unidades de saúde é um problema recorrente, afetando diretamente o tratamento e cuidado dos pacientes; A pandemia destacou tanto a importância quanto as fragilidades do SUS. A alta demanda por serviços de saúde durante a pandemia exacerbou muitos dos problemas existentes, como a falta de leitos e equipamentos; A relação entre o SUS e o setor privado é complexa, e muitas vezes há falta de coordenação e integração, o que poderia melhorar a eficiência e a cobertura dos serviços de saúde.
Estes são problemas que os gestores municipais enfrentam diariamente para manter o SUS com serviços de qualidade para atender a população. A crise do sistema de saúde da Inglaterra é similar ao que estamos vendo ocorrer nos últimos anos com o SUS, que também sofre com a corrupção, como vimos claramente durante a pandemia da Covid-19.
Portanto, é necessário realizar um novo pacto federativo, ter uma gestão mais eficiente e sem interferência política, com recursos que atendam de fato aos serviços prestados. Hoje, a tabela do SUS está defasada e precisa ser corrigida, assim como o salário dos profissionais de saúde. Apesar de todos os problemas, o SUS ainda é um dos melhores serviços de saúde e, se tiver uma boa gestão, atenderá a população de norte a sul do país.
Lei o artigo de Stephen Castle – https://www.nytimes.com/2024/09/11/world/europe/nhs-starmer-darzi-report.html
Stephen Castle é correspondente do The Times em Londres, escrevendo amplamente sobre a Grã-Bretanha, sua política e a relação do país com a Europa. Mais sobre Stephen Castle